domingo, 19 de agosto de 2012

Pais e Filhos


Eu sempre gostei de crianças. Eu sei que elas podem ser bem chatas, às vezes, especialmente em um determinado período da vida, mas, mesmo assim, eu gosto. Não sei bem o que é... talvez seja a pureza; a ideia de que podem fazer tudo o que quiserem, desprezando os limites bobos da realidade; ou talvez seja pelo fato de que vivem acreditando que o maior mal do mundo é o monstro que vive debaixo da cama, quando os pais não estão por perto.

Esse amor, essa admiração que tenho pelas crianças, chamou a atenção de muita gente por parecer recíproco. Eu sorrio pras crianças e elas, mesmo que nunca me tenham visto, sorriem de volta. Às vezes, os pequenos são os primeiros a sorrir e, contrariando o que normalmente acontece – eles não se importam com convenções ou “normalidades” -, muitas vezes, eles é que mexem comigo, me provocando pra uma brincadeira.

E foi assim que aconteceu com essa garotinha. Um aninho, talvez pouco mais ou menos, ela estava no seu carrinho, olhando, admirada, para toda a gente daquele shopping. Eu passei pela frente dela ao entrar na fila pra comprar o meu lanche, e a olhei. Assim que nossos olhos se encontraram, ela sorriu. Um sorriso lindo, daqueles que desarmam uma alma pesada. Involuntariamente, sorri – pela primeira vez naquele dia - de volta.

Deduzi que os pais dessa criança estavam naquela fila. Três casais e mais algumas pessoas avulsas que poderiam, com toda naturalidade, ser os pais da menina que, só não foi junto, porque o carrinho não passaria por aquele pequeno espaço delimitado pelas faixas. A fila não anda. Uma das atendentes está em treinamento. Isso me irritaria, se a garotinha não tivesse roubado a minha atenção pra si, me fazendo esquecer o motivo pelo qual eu estava sozinho naquele shopping.

“Papa”, ela grita, naquele jeito de quem está aprendendo a falar. A voz soa doce. Ela não está preocupada com nada, não está pedindo atenção. Ela diz isso e continua olhando para os lados, como se fosse só pra exibir suas recém-adquiridas habilidades da fala.

Um dos primeiros garotos da fila, de uns 16 anos, acompanhado daquela que deveria ser sua namorada, olhou para trás, também despreocupado – os pelos da barba que ele tenta deixar crescer nem engrossaram, e ele está gastando o fim da tarde de um sábado no shopping, com a namorada. Quais poderiam ser as suas preocupações? – e fez uma careta para a criança. Normalmente, isso tem o poder de assustar os pequenos. Mas, essa menina era muito calma, e sorriu de volta, e arrancou do garoto um sorriso igualmente lindo em pureza e amor. Efeito cascata, eu também sorri. Mais uma vez.

“Amor, eu vou procurar um lugar para a gente sentar”, foram as palavras da namorada que, agora que vi o rosto, pareceu uma menina de uns quinze anos, ou pouco mais. Ela também tinha um olhar calmo, e eu achei que conhecia aqueles olhos de algum lugar. O rapaz se virou e, ainda sorrindo, disse que tudo bem, numa voz juvenil, mas firme.

A namorada deu a carteira, que guardara na bolsa, ao jovem, e foi saindo. Ao se aproximar de mim, ela disse “vamos, bebê?”, com uma voz carinhosa e levou o carrinho. A criança se virou, e, olhando para cima, sorriu para a menina. Para a mãe. Os olhos da jovem de 15 anos eram os mesmos da criança de um. Quando a menina disse “papa”, mais cedo, o jovem atendeu ao chamado da filha, e brincou com ela.

O garoto, que agora eu via como um grande homem, pagou a conta, fez uma brincadeira com a atendente em treinamento e, ainda com o sorriso que derreteria corações de gelo, partiu, com o lanche, para onde estava a sua família. Provavelmente, os avós da menina os buscariam, mais tarde e, tranquilos, eles iriam para casa cuidar de suas vidas. Aquele homem, aquela mulher, e a filha.

De repente, a noite se iluminou e a pergunta mudou: que problema tenho eu, esse moleque, para estar tão mal-humorado no início da noite de um sábado?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Coleção de pontos finais


Então é isso? Acabou mesmo? Assim? Sem direito a despedida ou últimas palavras? Sem direito a entender em que estrada viramos errado pra que chegássemos até aqui? Sem que eu saiba como é que, em um dia, você está bem do meu lado e no outro... bom, no outro, eu não tenho ideia de onde está ou, nem mesmo, de quem é?

Pelo visto, sim, é isso mesmo.

Mais um. Mais um ponto final daqueles chatos, intrusos, que se enfiam onde bem entendem. Daqueles que dão fim a uma frase ainda.

Ainda inacabada. 


Mais um pra minha coleção que, se fosse de qualquer outra coisa, seria invejável. Mas essa é, e eu não consigo fugir, a minha especialidade.

Minha e da minha mania masoquista de entregar o meu coração às pessoas assim, logo no início: “prazer em conhecê-lo! Aqui vai o meu coração; faça dele o que lhe convir”. Bom, e fazem. O que bem entendem. Quando querem. Eu sei, eu pedi por isso.

Mas, e você? Pensei que fosse fazer diferente; pensei, por um segundo, que meu coração estaria um pouco mais seguro em suas mãos. Que, no fim, quando se cansasse dele – e de mim – o devolveria ao meu peito, e não que o deixaria ao relento e me fizesse buscá-lo, aos cacos. Mas não se preocupe: ele já se quebrou vezes o suficiente pra eu saber que há conserto.

Algo me diz que eu deveria ir atrás, descobrir os motivos e ver se ainda há solução. Mas tem um outro sentimento que me impede. E eu já ignorei esse sentimento uma vez, e essa atitude só me levou até a sua voz fria e desinteressada, ao telefone. Não, isso não é pra mim; tomei uma nova dose de orgulho e, bem ou mal, ela me conforta, pelo menos por agora. Talvez eu tenha dor de cabeça, amanhã. Se bem que eu nem sou de ter ressaca.

Qualquer coisa que aconteça, eu estarei aqui, onde você deixou meu coração, fazendo o possível para remendá-lo, como tantas vezes antes. Você, se sentir a necessidade, pode vir; sabe muito bem como me encontrar. Quando chegar, te mostrarei onde está a sua assinatura: marcada na cicatriz que deixou. E, talvez aí, possamos conversar. Até lá, os efeitos daquela dose já deverão ter passado.