quinta-feira, 19 de julho de 2012

Amoras & amores



Dona Juju gostava das janelas abertas em dias de sol. Clareava o piso ressecado que, em dias frios, trazia um adereço carinhoso: as meias de João que cuidava, nas pontas dos dedos, a curiosidade da chuva que a janela trazia. Seus olhinhos procuravam no céu cinza, sem estrelas cor de leite, essas que se escondem de dia, um presente para a sua infância amarga. Até que, entre os tristes pingos, ele percebeu na casa ao lado, outros olhinhos.

Os outros olhos estavam molhados. Mas não daquela água salgada. Se molharam na chuva que, daquele lado do muro, caía sapeca, brincando com os olhos castanhos, os cabelos longos e os dedinhos dos pés descalços da menina que era doce e sal em equilíbrio, com uma leve pitada de pimenta e sorriso vivo.

Desprendeu em si uma ternura encantada. Nunca vira tantas cores. Era mágico comer com os olhos a textura do querer. O dedo do pé encolheu-se na tentativa de alcançar melhor todo aquele loiro molhado. O canto da boca cedeu um sorriso frouxo e inocente. Parecia feitiço de abracadabra e puft!, caiu da janela de uma forma que nem eu, narrador, entendo.

É claro que não entende! Você não estava do lado de cá do muro e não sabe do que essa menina é capaz. A dança, coordenada com as gotas d’água, que lhe proporcionam esse brilho enigmático, ao som da risada que é pura melodia, calaram a consciência do menino bobo. E ele desejou, mesmo que não soubesse, exatamente, o que era isso. O nome dela é Iara. Isso te diz algo?

Um aroma salgado se espalhava da cozinha ao quartos da casa. Coado o café e adoçado um suco de amora. Dona Juju aprontava-se a chamar João. Um canto alegre e cozido, comedido, anunciando que os bolinhos primavera estavam prontos. Não o encontrou no quarto. Desesperou-se. “Em dias de chuva, não saia de casa, nem mesmo para a área dos fundos ou para a garagem”! No abrir da porta, apressada pela preocupação, encontrou o menino de pedra balançando nas ondas da menina chuva que fechava o inverno.

O menino só observava. Bobo.
A menina dançava e sorria. Sapeca.
E o amor florescia. Potente.

Brunno Falcão & Yago Rodrigues

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Tato

A primeira urgência: o prazer. Fazia um tempo, já. Era hora da satisfação. Será? Todos os pensamentos, todos os passos, os toques, até o roçar do tecido leve do short acariciando as coxas. Tudo era excitação.

Mesmo que a consciência lutasse contra, as mãos hesitantes, se guiando sozinhas no quarto escuro, acharam o seu caminho. Desceram pela rua do pecado e o encontraram. Um toque, um tremor. Desejo. Animal em seus instintos primitivos – imbatível. O coração batendo forte, o pensamento vagando por corpos perfeitos, por retas e curvas nas medidas certas. Homens. Pele e pelos. Nus. No pensamento e na cama, se contemplavam.

As mãos – malditas mãos! -, mais uma vez fizeram o que queriam – elas e a urgência -, e encontraram o lençol, encolhido no canto. Uma volta, um nó. Era selvagem, era excitante, era o máximo. Estava no filme. Parecia bom. Não custa tentar. A dificuldade de respirar ia aumentando à medida que se aproximava da hora final, da satisfação, do gozo.

Na cabeça, tudo se misturava. Imagens de todos aqueles corpos que um dia os olhos encontraram. Os atores, os desconhecidos, os do clube, aqueles da piscina ou do vestiário. Ah, o vestiário! Aqueles da academia, com os corpos suados. Suados como o dele, agora, nesse exercício de puro prazer. Tudo muito rápido, muito urgente. Flashes.

Só mais um pouco, vai. Falta ar, sobra excitação. As mãos agindo com mais segurança, mais força. O nó mais apertado. É agora. É a hora. Mais rápido. Mais forte. Para, tudo para. Um segundo ou uma eternidade. Lapso no tempo e no espaço.

Explosão. Alguns tiros.

Tudo o que resta de oxigênio abandona os pulmões num suspiro. Cai na cama. Lágrimas nos olhos. Porra!, o que foi que eu fiz? Não é assim que as coisas devem ser! Não é assim que... Luzes passeavam pela vista: pequenos pontos brilhantes dançando no ar. Ar. Tenta respirar. Não pode. As mãos cansadas, agora novamente sob o controle do homem, não do animal, alcançam o nó feito pra desatar facilmente. Não desata. O desespero dá sinal. Passeia pelo quarto, junto com os pontos de luz, dançando ao redor da cama com esse sorriso indecente. O corpo se debate sobre os lençóis agora molhados. Suor e sêmen.

A segunda urgência: a vida. Solta! Grita sem voz, sem ar. Mudo. O único som é o da briga abafada entre o corpo e o colchão. Tenta de tudo. Quer desatar o nó, rasgar o lençol, quebrar a cabeceira da cama. Não. Tudo muito bem feito. Excelente qualidade. Coisa de primeira!

As luzes somem e o desespero se enfia no peito, dividindo espaço com o coração que bate apertado e os pulmões que ardem sem ar. O corpo desiste da luta. Relaxa na cama molhada de sêmen, suor e saliva. Silêncio absoluto. O frio se aproxima e envolve o corpo. Olá, sabia que viria. Ela se senta ao pé da cama e observa o corpo nu, inerte. O admira na sua pureza. Na sua indecência. No seu arrependimento.

Tão novo. Tão pouco pelo que se arrepender. Tanto pelo que ainda viver. Achou que fazia a escolha errada, pensava que podia ser diferente e não viu o verdadeiro erro. Sabe, você podia ser feliz. Agora, vem comigo.

O pegou nos braços e saiu pela porta trancada. Passou pelos quartos em que pais e irmãos dormiam calmamente. Saiu pela rua caminhando sob a luz da lua. Finalmente ele estava livre do seu próprio nó. Ao menos a parte que importava. E só precisou do toque das mãos.