terça-feira, 8 de novembro de 2011

Café


Abro os olhos pela manhã e é só nisso que penso: café. Dos fortes. Depois de mais uma noite mal dormida, é uma necessidade gritante. Quero um café com a força dessa minha preguiça que me impede de me mover no colchão. Oh, Deus!, minha cabeça! Dói. Não sei se por sono ou pela falta do café ou pelo stress ou pelo hábito, mas dói.

Café.

Vamos, homem, levanta! Não se achou grande o suficiente pra tomar conta de si próprio? Achou que era só arranjar um apartamento barato e não dividir a chave com ninguém? Que era só jogar um colchão velho no canto do quarto e dizer que era minimalismo? Que era só levar junto o notebook que ficaria tudo bem? Escuta, o seu notebook faz café? É, eu imaginei que não. Agora, levanta, vá fazer o seu café, porque ninguém mais vai fazê-lo. Não há mais ninguém. Você está sozinho nessa, campeão.  Mais uma vez.

Café.

Ok, de pé! Pra cozinha. Lavo o rosto na pia dali mesmo. Eu passei pelo banheiro, mas o café é mais urgente. Merda! Cadê o café? Não é possível que tenha acabado! Ai, minha cabeça! Banheiro, rápido! Escorrego no tapete, mas cheguei a tempo de jogar tudo o que não podia mais ficar no meu estômago no vaso. Detesto vomitar. As lágrimas sempre caem junto. E esse cheiro... Cheiro de álcool. Ressaca. A dor de cabeça é por causa da ressaca. Mas por que agora, se nunca tive isso antes? Porque eu também nunca bebi tanto antes. Era pra ter sido só uma tequila, não era, seu idiota? E sem ter tomado tanta cerveja, de preferência. E você nem gosta de cerveja! Idiota.

Café.

Mas eu vou precisar sair. E, pra sair, preciso de um banho. Sorte que, de alguma forma, consegui tirar a calça antes de dormir. Agora, seria uma tarefa impossível. Uma cueca não é tão complicado. Não quando se está sentado no chão do banheiro e não precisa se equilibrar, nem por um milésimo de segundo, em um único pé. Certo, cueca fora, pro banho. O chuveiro está queimado. O gênio aqui ainda não consertou. Ou tentou. Bom, pelo menos a água não vai ser aquecida. Nem que você tente. Porra, que frio! Rápido, passa o sabonete em tudo, tira logo esse cheiro, mas faça isso rápido. A manhã está fria. A água, mais ainda. Preciso me aquecer. A toalha. É sério? Você tirou a toalha daqui? E onde é que a enfiou, Einstein? No... esquece. Agora vai ter que enfrentar o frio até o armário, pra pegar uma nova. Corre! Mas não caia.

Café.

Enxuga, rápido. Vista-se, rápido. Não, essa camiseta não. Pega aquela camisa que você não vai parecer tão mal. Pelo menos vai parecer que era uma festa elegante. Mas você ainda vai ser o idiota que não sabe beber. Ah, quem se importa?, é só uma loja de conveniência. Parabéns por ter deixado a porta aberta a noite toda. Me impressiona o fato de ter chegado em casa. Entro no elevador, me olho no espelho. É, você está terrível! Passo pelo porteiro, ele diz algo indecifrável. Acho que foi um bom dia. Na dúvida, só aceno. Preciso ser rápido.

Café.

Olha o carro! “Sai da frente, louco!” Filho da puta! Foi por pouco. Toma cuidado pra não morrer, né? Morto, você não vai tomar café. Posto, por que tão longe? Três quadras nunca foram tão distantes. E tão fatalmente perigosas. Um passo em falso – e eles serão muitos, na minha atual condição –, é extremamente perigoso. Os carros não são os piores inimigos. Eu sou o meu pior adversário. Tá aí sua adrenalina, rapaz. Uma aventura real. Só não morre.

Café.

A última esquina. É só virar e você cai dentro do posto. Vamos, você consegue, você consegue, isso! Parabéns, você chegou vivo. Ou quase isso. Onde está o café? Reformaram isso aqui recentemente? Moça, onde fica o café? Como, não tem? Ainda não chegou o carregamento com o resto dos produtos... E o café é um desses produtos? Certo. Merda! E agora? Respira, pensa, corre.

Café.

Saio da loja de conveniência mais inconveniente da história à procura da felicidade. Ou do café. Não dá na mesma? Such a drama queen! Para com essa história e vai atrás do que você precisa. Anda, anda, espera. Será que... o boteco. O melhor remédio para a ressaca não é se manter bêbado? Quem sabe se... bom, vai que, né? Volta. O boteco ficou pra trás. Duas quadras atrás.

Café.

É pra correr, mas não esbarra nas pessoas, por favor. Derrubou a pasta da menina, agora vai ter que ajudar a juntar os papéis. “Obrigada”. Por nada!, posso esbarrar em você sempre que precisar. Exceto agora, que eu preciso correr. Um sorriso desesperado é minha despedida. Vai, vai. Ali, o boteco. Não, não, não, não, não, não, não, não! É brincadeira! Só pode ser brincadeira, meu Deus! Fechado. Inferno! Quero arrancar os meus olhos e tirar essa dor de cabeça com a mão, porque o café tá complicado. Essa minha saga merece um livro. Penso nisso depois.

Café.

Cara, você tá indo pra onde? Não para de andar, mas não tem um rumo certo. Casa? Ok, mas e aí, o que vai fazer? Vai virar café ou beber água quente? O porteiro está me olhando estranho. No mínimo acha que eu ainda estou bêbado. Mais tarde, todos vão saber do cara do 303. Foda-se. Elevador. Terceiro andar.

Café.

A porta se abre e caixas estão esparramadas do lado de fora do 302. Esse lugar ficou vazio por anos – você só mora aqui há três meses, não exagera! Me distraí com as caixas, não vi a movimentação dentro do apartamento. O cara sai de lá e me vê olhando a caixa que era quase do meu tamanho. “Não é tão pesada. Aí estão só as minhas roupas.” Como se roupas não pesassem. Seja simpático, sorria. “Oi, eu sou Tiago.” Oi, Tiago, eu sou um idiota qualquer que precisa, com urgência, de um café pra se manter vivo.

Café.

Será que você consegue ser ainda mais idiota? Desfaz essa cara. O Tiago tá te olhando de um jeito engraçado. Esse sorriso deve querer dizer algo como “coitado”. Que tal variar um pouco e tentar fazer amizade com algum morador? Quer ajuda, Tiago? Sorriso. “Seria uma boa... Você me ajudaria?” Claro! O que eu levo primeiro? “Agora, nada.” Oi? Não era pra eu ajudar, grande? “Entra aqui, estou fazendo um café. Aceita?” Café. Agora sim, um sorriso de verdade. Acho que a minha resposta positiva foi meio exagerada. Ele deu uma risada. “Então, você não me disse o seu nome...” Desculpa, é Henrique. Prazer, Tiago. Prazer.