domingo, 23 de outubro de 2011

Ela


“Se você ficar sozinho, pega a solidão e dança.”
-Três Dias – Marcelo Camelo

- Me abrace forte e, por favor, não me solte.

Essa vai ser a primeira coisa que eu vou dizer quando voltarmos a viver juntos. Digo “quando” porque, sim, eu acredito que há volta. É preciso acreditar.

Acredito, também, porque ela não me abandonou de todo. Saiu de casa, levando suas coisas, não era mais minha companheira fiel, mas ainda nos encontrávamos. Ela me ligava, me fazia breves visitas, escutávamos músicas juntos, íamos ao cinema... Mas não me entenda mal, não era o mesmo de antes. Ela me deixou, é fato, mas não é fácil abandonar alguém importante assim, do nada. É necessário reaprender a andar; a viver. Ela parecia não querer desistir de mim, e eu não podia; eu não posso permitir. Eu preciso lutar.

O motivo dessa separação? Não sei ao certo, mas tenho certeza de que foi algo idiota; um motivo ridículo; quase nada! Não é sempre assim que terminam os grandes relacionamentos? Sei, também, que a culpa foi minha. Ela foi se afastando aos poucos, até que, levando o calor e as cores, saiu de casa. Relutava em sair, eu via, e eu não queria permitir, mas, ao mesmo tempo, não podia pedir pra que ela ficasse, parecia que eu e ela, de repente, não estávamos na mesma sintonia. Então ela se foi.

E veio o frio. Com ele, a Solidão. E eu a acolhi. Não foi certo, eu sei! Por favor, querido amigo, não me julgue, mas eu estava carente... E não sei se só por isso, ou se tem um outro por quê, mas eu a abracei, e essa, a Solidão, tomou conta de mim. Tornou-se uma companheira inseparável, junto comigo até, e principalmente, à noite, no silêncio do quarto escuro, na cama.

Já me arrependi de tê-la deixado entrar, e já tentei expulsá-la, mas eu não tenho forças. Já cheguei a colocá-la pra fora, certa vez, mas, com a chuva, ela quebrou as janelas da minha frágil casa de vidro, e voltou. E voltou com força.

Eu me entreguei de corpo e alma. Eu caí naquele mundo escuro. Me envolvi em seus braços e afundei na água gelada da chuva, que ainda entrava pelas janelas quebradas. Mas, alguns anjos, mais ou menos celestiais ou caídos, que costumavam andar comigo, ainda estavam ali. Esses anjos amigos, apesar de distantes – minha companhia acabou se tornando insuportável –, permaneciam comigo. E me estenderam as mãos. Mas, mesmo com suas asas, não podem tocar nessa lama. Eu preciso sair dessa sozinho.

Esses anjos ainda convivem com aquela que me deixou, uns mais que os outros, e me trouxeram boas-novas. Ela ainda se importa comigo. Ela me quer bem. Ela me quer.

E eu a quero.

E vou lutar por ela.

Ainda estou fraco, as rachaduras nas minhas paredes de vidro ainda estão aqui, assim como a grande nuvem negra que paira sobre a casa, deixando tudo em tom de cinza.  Pelas janelas, entram a chuva e o vento frio que balança a casa.

Mas eu, antes encolhido num canto, com os ouvidos tampados, vou me levantar. Vou me erguer, me lavar, fazer a barba, passar um perfume, colocar uma música, e dançar. Dançar com a Solidão. Ela não vai embora enquanto a outra não voltar, já avisou. Então, já que vai ficar, que dance! Mesmo que se negue; mesmo que não goste, ao som da minha música, vai dançar.

A música vai abrir buracos na densa nuvem, e a luz do Sol vai poder, enfim, iluminar tudo isso. Meus passos de dança no carpete limparão a sujeira, trarão novas cores à casa e, aos poucos, a reconstruirão.

E ela vai voltar a ligar. Ligar e perguntar como estou. Eu responderei que poderia estar melhor, e ela dirá:

- Fica calmo, que, com o tempo, tudo melhora; em breve, melhora.

Bom, o Tempo, que antes não passava por aqui, eu convidei pra entrar. Servi café e cookies. E, agora, ele passa, enquanto observa minha dança.

Eu aumento o som, danço com mais vontade, arrastando a Solidão comigo. Em breve, melhora. Em breve, ela, a Felicidade, volta. E, quando voltar, eu vou abrir a porta e dizer:

- Me abrace forte e, por favor, não me solte.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Medo de chuva

Não, eu não tenho medo da chuva.

Eu tenho medo é desse sentimento; dessa solidão que vem com ela. Que vem e transforma as gotas d'água em lágrimas; os trovões em soluços de dor; e os relâmpagos em flashes daquilo que eu não tenho.

E eu só queria ter alguém com quem dividir.

Alguém que transformasse essas nuvens negras sobre minha cabeça em algo adorável; um belo urso de algodão, quem sabe? Alguém em cujos olhos eu pudesse ver, à cada clarão, um brilho ainda mais luminoso que todos os raios de Zeus. Alguém que, quando ficasse muito escuro, me abraçaria, me acolheria em seus braços, me protegeria de tudo. Um alguém que, em meu ouvido, e só pra mim, diria: "eu estou aqui; vai ficar tudo bem".

E, sim, ficaria tudo bem.

Ficaria tudo bem porque o meu alguém estaria aqui, comigo. Ficaria tudo bem porque eu poderia dividir a real beleza da chuva com esse alguém. Ficaria tudo bem porque, se ficasse muito escuro, muito barulhento, ou se o vento ameaçasse derrubar a minha casa, eu teria alguém, aqui, pra me proteger. Ficaria tudo bem porque, enfim, eu poderia dividir aquilo que eu já não mais posso carregar sozinho. Poderia dividir cada uma dessas gotas que caem do céu. Me dividir. E, ainda assim, estar mais completo do que nunca.