“Se você ficar sozinho, pega a solidão e
dança.”
-Três
Dias – Marcelo Camelo
- Me abrace forte e, por favor,
não me solte.
Essa vai ser a primeira coisa que
eu vou dizer quando voltarmos a viver juntos. Digo “quando” porque, sim, eu
acredito que há volta. É preciso acreditar.
Acredito, também, porque ela não
me abandonou de todo. Saiu de casa, levando suas coisas, não era mais minha
companheira fiel, mas ainda nos encontrávamos. Ela me ligava, me fazia breves visitas, escutávamos músicas juntos, íamos ao cinema... Mas não me entenda
mal, não era o mesmo de antes. Ela me deixou, é fato, mas não é fácil abandonar alguém
importante assim, do nada. É necessário reaprender a andar; a viver. Ela parecia
não querer desistir de mim, e eu não podia; eu não posso permitir. Eu preciso
lutar.
O motivo dessa separação? Não sei
ao certo, mas tenho certeza de que foi algo idiota; um motivo ridículo; quase
nada! Não é sempre assim que terminam os grandes relacionamentos? Sei, também,
que a culpa foi minha. Ela foi se afastando aos poucos, até que, levando o
calor e as cores, saiu de casa. Relutava em sair, eu via, e eu não queria permitir,
mas, ao mesmo tempo, não podia pedir pra que ela ficasse, parecia que eu e ela,
de repente, não estávamos na mesma sintonia. Então ela se foi.
E veio o frio. Com ele, a
Solidão. E eu a acolhi. Não foi certo, eu sei! Por favor, querido amigo, não me
julgue, mas eu estava carente... E não sei se só por isso, ou se tem um outro por
quê, mas eu a abracei, e essa, a Solidão, tomou conta de mim. Tornou-se uma
companheira inseparável, junto comigo até, e principalmente, à noite, no
silêncio do quarto escuro, na cama.
Já me arrependi de tê-la deixado
entrar, e já tentei expulsá-la, mas eu não tenho forças. Já cheguei a colocá-la pra fora, certa vez, mas, com a chuva, ela quebrou as janelas da minha
frágil casa de vidro, e voltou. E voltou com força.
Eu me entreguei de corpo e alma.
Eu caí naquele mundo escuro. Me envolvi em seus braços e afundei na água gelada
da chuva, que ainda entrava pelas janelas quebradas. Mas, alguns anjos, mais ou
menos celestiais ou caídos, que costumavam andar comigo, ainda estavam ali.
Esses anjos amigos, apesar de distantes – minha companhia acabou se tornando
insuportável –, permaneciam comigo. E me estenderam as mãos. Mas, mesmo com
suas asas, não podem tocar nessa lama. Eu preciso sair dessa sozinho.
Esses anjos ainda convivem com aquela
que me deixou, uns mais que os outros, e me trouxeram boas-novas. Ela ainda se
importa comigo. Ela me quer bem. Ela me quer.
E eu a quero.
E vou lutar por ela.
Ainda estou fraco, as rachaduras
nas minhas paredes de vidro ainda estão aqui, assim como a grande nuvem negra
que paira sobre a casa, deixando tudo em tom de cinza. Pelas janelas, entram a chuva e o vento frio
que balança a casa.
Mas eu, antes encolhido num
canto, com os ouvidos tampados, vou me levantar. Vou me erguer, me lavar, fazer
a barba, passar um perfume, colocar uma música, e dançar. Dançar com a Solidão.
Ela não vai embora enquanto a outra não voltar, já avisou. Então, já que vai
ficar, que dance! Mesmo que se negue; mesmo que não goste, ao som da minha
música, vai dançar.
A música vai abrir buracos na
densa nuvem, e a luz do Sol vai poder, enfim, iluminar tudo isso. Meus passos
de dança no carpete limparão a sujeira, trarão novas cores à casa e, aos
poucos, a reconstruirão.
E ela vai voltar a ligar. Ligar e
perguntar como estou. Eu responderei que poderia estar melhor, e ela dirá:
- Fica calmo, que, com o tempo,
tudo melhora; em breve, melhora.
Bom, o Tempo, que antes não
passava por aqui, eu convidei pra entrar. Servi café e cookies. E, agora, ele
passa, enquanto observa minha dança.
Eu aumento o som, danço com mais
vontade, arrastando a Solidão comigo. Em breve, melhora. Em breve,
ela, a Felicidade, volta. E, quando voltar, eu vou abrir a porta e dizer:
- Me abrace forte e, por favor,
não me solte.