terça-feira, 3 de maio de 2011

Branco-nada

- Esse quarto não era assim, tão claro, tão branco, quando eu comprei essa casa... Ou era?

Claro que era. A casa, um tanto isolada, na beira de um penhasco que acabava no mar, tinha seus dois andares de muito vidro, e muito branco. E branco também estava aquele dia, ou ao menos aquela manhã. Amanheceu nublado, e o Sol estava escondido em algum lugar distante, fazendo com que a luz, também branca, viesse de todos os lados, e de lado nenhum.

Diogo foi acordado pela claridade, já que não fechara a cortina, deixando que as estrelas lhe fizessem companhia na noite insone - só conseguira adormecer quando a Lua já se despedia e, assim que a luz do Sol deu à negra escuridão dos seus olhos cerrados um certo tom de vermelho, acordou.

Estava nu, envolvido no lençol (branco). Levantou-se e foi direto para os jeans, ao pé da cama. Vestiu, subiu o zíper, mas não abotoou, deixando à mostra os pelos escuros. Caminhou até o armário, pegou um pesado cobertor, e cobriu a encolhida mulher que, nua, na cama, se protegia do frio com o mesmo lençol que ele abandonara. Para ele mesmo,  não pegou nada. Ele podia suportar aquele frio. Ele precisava sentir aquele frio.

Diogo caminhou até a varanda, que dava para o mar, e cumprimentou o nada. Fechou os olhos verdes, mas não conseguiu conter as lágrimas, que rolaram como se o seu esforço fosse absolutamente inútil; um nada. Assim que voltou a abrir os olhos, eles estavam verdes e vermelhos.

Lembrou-se que, na manhã anterior, onde agora dormia a linda mulher, amanhecera um belíssimo garoto, de uns dezenove anos, no máximo, e, nenhum dos dois casos significou uma mínima coisa pra ele. Vazio. Branco. Era assim que se sentia.

Tinha educação acadêmica - e familiar, apesar dos pesares -, tinha sucesso, tinha dinheiro, tinha beleza (muita!, e seu ar melancólico era um algo a mais), e, tudo isso, aos vinte e cinco anos de idade. Ainda assim, vazio. Ele já sabia o que era: faltava companhia; alguém com quem dividir tudo o que tinha.

Até então, não encontrara esse alguém. Já procurou entre jovens e maduros, homens e mulheres, ricos e pobres, aqui e no exterior. Nada. Tudo o que conseguia, o seu prêmio de consolação, talvez, era sexo. Na maioria das vezes, sexo dos bons, deve-se dizer, mas nada além de sexo. E não era o suficiente.

Diogo precisava de amor! Não necessariamente um amante, mas um amor. Alguém que o fizesse se sentir completo, e o amasse assim, completo. Alguém que amasse sua alma, além de seu tentador exterior. Amor do tipo Romeu & Julieta, pelo qual fosse capaz de matar ou morrer. Amor tipo amigo, irmão. Amor.

Filho único de pais que não nasceram pra esse ofício, foi expulso de casa enquanto cursava a antiga oitava série do ensino fundamental, quando descobriram que se relacionava com um garoto da classe - como se pudéssemos chamar aquela paixonite pré-adolescente, em que o máximo de contato era uma língua na outra, uma ou duas vezes, de relacionamento. A avó, essa sim nascida com o dom da maternidade, do amor, o adotou. Viúva, o levou para sua casa, e cuidou dele como seu. Viveram juntos por alguns anos. Quando Diogo cursava o quarto semestre da faculdade de Comunicação, ela faleceu, deixando para o neto (ou filho), e só para ele, a casa na qual moravam e uma pequena fortuna. A avó fora o último amor de sua vida. A partir daí, focou-se (ou fechou-se) nos estudos, no trabalho, cresceu, chegou onde estava. Sozinho.

No momento, ele precisava de alguém. O problema é que não conseguia se abrir, e ninguém conseguira, até então, romper a sua barreira e chegar aonde dói; chegar à sua alma.

Fechou novamente os olhos, ainda úmidos e avermelhados, respirou fundo e voltou para o quarto. A mulher acordara, e já terminava de se vestir. Ela o cumprimentou com um bom dia. Ele respondeu com um sorriso triste que não sustentou por muito tempo. Pronta, se despediu com um beijo vermelho que ficou marcado na bochecha do rapaz - seria na boca, se ele tivesse permitido -, e deixou o número do seu telefone, anotado em um pedaço de papel, no bolso da calça desabotoada de Diogo.

Ele a acompanhou até a porta, e ela se foi. Ele limpou a marca de batom, jogou a calça, ainda com o número no bolso, na máquina, pra lavar, e foi para o banho, se preparar para o dia branco que só começava. A busca por companhia, por amor, por completude, continua. Até encontrar. Ou até morrer assim, vazio, num dia assim, branco.